terça-feira, 25 de março de 2008

‘O blog é uma reviravolta fantástica no mundo da imprensa’. Entrevista com Luis Nassif

Acabou-se o tempo do jornalismo onipotente. A opinião é do economista Luis Nassif, um dos campeões de audiência na Internet com o seu blog. “No blog você tem que ter experiência, bom senso e, quando não conhece direito o tema, coloca lá e pede pro pessoal opinar. Isso aí é uma reviravolta fantástica no mundo da imprensa”, diz ele. Em entrevista à revista Caros Amigos, nas bancas, Nassif comenta que “o jornalismo é uma missão e tem eficácia”. Fala ainda dos equívocos da imprensa brasileira e, sobretudo da briga que comprou com a revista Veja.

Leia trechos de sua entrevista.

José Arbex Jr. – Você foi pro jornalismo econômico por quê?

Era pra eu ser crítico de música da Veja, ia ser a glória, estava com 24, 25 anos, ou repórter especial de economia, foram as duas propostas que me fizeram. Mas a crítica de música naquele período era terrível, porque uma parte do jornalismo queria combater o regime e você não podia combater nem na política, nem na economia, porque havia censura, e censura interna também. Então o pessoal foi todo para o patrulhamento na parte de música, e ficou um clima terrível. Qualquer picareta que fazia um negócio que nas entrelinhas tinha uma crítica ao regime virava gênio. Se o sujeito não fazia crítica ao regime, o cartunista Henfil enterrava no cemitério dele. Falei: “O que que eu vou fazer aqui?” O meu conhecimento de música era imensamente maior do que de economia, mas falei: “Não vou entrar nesse jogo agora, o critério é do bem e do mal. E já que é pra combater o regime, vamos onde está o sistema de poder, que é a economia”.

Na Veja era complicada a economia, era uma economia oficialesca. Tanto que quando levantaram a censura foi uma vergonha: a economia não tinha uma matéria censurada. Era um período complicado, a saída do Mino Carta, a entrada do jornalista José Roberto Guzzo como diretor da revista, depois houve manipulação de informação naquela candidatura do chamado general progressista Euler Bentes a presidente da República, no Colégio Eleitoral da eleição indireta, e teve uma reação da redação, fizemos um abaixo-assinado de 45 pessoas dizendo que quem mandava na linha da revista era o dono, mas que nós, como jornalistas, exigíamos respeito às informações. E ali se achou que haveria uma rebelião e colocaram algumas pessoas como cabeças da rebelião. E eu, que era terceiro escalão da economia, fiquei como cabeça da rebelião. Até foi bom porque você sai da concha e vai pra briga, a Veja era um negócio complicadíssimo...

José Arbex Jr. – Você não enlouquece com o blog? Às vezes acompanho, aí você fala: “Tô indo pra Brasília, daqui a vinte minutos começo a responder”. A impressão que dá é que você vai no banheiro com o blog.

Tem um comando no computador chamado alt-tab, um atalho de atualização, e eu uso o alt-tab na cabeça...

Marcos Zibordi – O Juca Kfouri falou que começou a perder pra máquina, começou a querer responder a todos... uma loucura.

Pra mim é o seguinte: quando começaram aquelas salas de mirc, irc, ali foi um período muito gozado, eu gostava de entrar lá com pseudônimo e provocar todo mundo, fazia todo tipo de molecagem, um dia eu vou contar.

Mylton Severiano – Por que você resolveu enfrentar a Veja?

Duas coisas. Primeiro, que em 38 anos de carreira nunca vi o tipo de jornalismo feito pela Veja nos últimos anos, pra mim é uma coisa chocante. Ela criou esse negócio, uma blindagem que qualquer pessoa que chegasse perto ela atacava primeiro pela revista, depois através de blogueiros profissionais. Há dois anos e meio ela me atacou de uma forma manipuladora e muito baixa. Na época eu estava ligado à Folha, não tinha espaço pra entrar naquela guerra. Quando vim pra Internet e consolidei o blog, achei que era hora de alguém dar a cara pra bater, porque eles transformam em escândalo qualquer coisa, não tem o critério jornalístico. Se alguém for ver a minha vida, não tem nada que deponha, que minhas filhas possam se envergonhar, mas se você quiser manipular, a manipulação é livre.

Então esse tipo de jornalismo, você fala: “Eu não vou chegar perto”. Porque 1 milhão de exemplares, conta uma mentira aqui, mas como é que eu vou explicar pra 1 milhão de pessoas que era mentira? Pra mim era mortal ver esse tipo de jogo prosperar, e você via aquelas matérias da revista, todos os sinais de interesses não muito claros por trás, arrogância, prepotência. Virou um superpoder e eles passaram, através do Mário Sabino (redator-chefe da Veja), a atacar jornalistas. Houve num certo momento esse papo contra o Lula, e daí esses caras se sentiram donos do mundo. Daí você diz: “Vem cá, e o jornalismo? Cadê o jornalismo?” Você olhava pra lá e via prepotência, falta de escrúpulos, falta de respeito mínimo pelas pessoas – 180 milhões de habitantes, os caras ficam se comportando como se fossem donos do país.

Renato Pompeu – Você pode citar casos concretos?

Os artigos do Mainardi (Diogo, colunista da Veja) sobre Daniel Dantas e Telecom Itália. Essa série que estou fazendo, muita gente pergunta: “Quem é sua fonte?” Minha fonte é a Veja. As matérias estão sendo feitas em cima de matérias da Veja, não mais que isso.

Thiago Domenici – Qual foi o estopim pra você lançar a série?

Não teve estopim, o que teve foi o seguinte: eu comecei a me preparar pra guerra...

Thiago Domenici – Depois que você saiu da Folha?

Lá atrás, quando teve o ataque e eu estava na Folha. Fiquei muito tempo tentando entender uma coisa tão descabida, ele me acusava de elogiar uma empresa que anuncia no nosso site. Ora, todas as minhas colunas estavam na Internet. Entrei lá pra conferir, quatro anos de coluna, não tinha um elogio. Aí você faz um artigo explicando que não tem, eles insistem naquilo. Mas eu já tinha matado a charada: eles pegaram um parajornalista, um sujeito que, talentoso, não tem nenhum compromisso com os fatos, e começaram a usar o cara para atirar em adversários. Algo que aprendi é que todo superpoder, de esquerda ou direita, leva a esse tipo de abuso. Acontece que eles criaram a blindagem do antilulismo, então, qualquer crítica que você fizesse aos métodos deles: “Taí ó, chapa branca, está protegendo o governo”.

Esse antilulismo veio no âmbito de um fenômeno mundial que pegou fortemente na imprensa brasileira, que é esse estilo neocon, dos neoconservadores norte-americanos da Fox (TV), estilo agressivo. De repente foi interpretado pela mídia nossa como se fosse aquele novo jornalismo dos anos 70, como se fosse algo que veio para mudar. Tanto que se você pegar amigos nossos, o Augusto (Nunes) naquela época na coluna do JB pratica esse estilo, o Jabor pratica claramente. Na Veja, o falecido Tales (Alvarenga) praticava. É como se estivesse na última moda. Ô, meu Deus do Céu, se isso for a última moda, acabou o jornalismo, é o túmulo do jornalismo. Se fosse um ou outro, mas todo mundo querendo fazer isso! Mas tem vários aspectos: a crise da grande mídia, com a entrada dos novos grupos e a falta da visão estratégica sobre como se posicionar, os jornais perdendo tiragem ano a ano, a imprensa de opinião. De repente eles vêem essa chance: vamos derrubar o Lula porque daí a gente faz que nem com o Collor, voltaremos aos tempos de glória dos anos 90. É um conjunto de fatores que levam a um pacto anti-Lula entre os jornais, e em cima desse pacto começam os abusos...

Mylton Severiano – Não há um pacto formal, é um tema deles.

Não é nada conspiratório, é uma tendência que se cria. Agora, isso dá uma baita segurança para o pessoal da Veja porque de um lado tem esse pacto, do outro começam a atirar em quem critica. Eles se consideram acima de qualquer risco, e daí começam os abusos. Então eu tinha que esperar o pêndulo voltar, para começar as matérias. Quero ver esses colegas, amigos nossos que entraram nesse pêndulo, a hora que o pêndulo voltar como eles vão ficar. Tem alguns colunistas aí que escrevem 256 artigos por ano criticando o Lula e não conseguem sair disso. Você perde eficácia. Vira idéia fixa! O papel hoje é influenciar. Se você só elogia ou só critica, não está influenciando. Isso é tão obvio! Agora, esse pessoal da Veja são pessoas pouco preparadas que, de repente, por razões variadas, entraram numa cabine de bombardeiro, fecharam a porta e acharam que estavam inatingíveis. Não perceberam que o pêndulo estava voltando.

Renato Pompeu – O que é o pêndulo?

Esse pêndulo da opinião pública midiática, dessa radicalização política que houve, que era o álibi que eles utilizavam pra fazer qualquer coisa. Porque qualquer crítica a eles seria interpretada como chapa branca, “o pessoal governista que está contra a gente”. E outro aspecto também, deu para perceber que a Veja contratou blogueiros com o intuito de atacar reputações.

Marcos Zibordi – Quem são esses blogueiros?

Reinaldo Azevedo. Ele está na home da Veja todo dia. Há oito meses ele fez uma campanha abjeta contra duas cientistas da USP e aí deu Jornal Nacional, deu na Veja. A Fapesp quase corta a bolsa delas.

José Arbex Jr. – Eu acho que a Veja merece uma caracterização um pouco melhor, mais precisa. Porque, na minha opinião, ela é diferente da Folha e do Estadão. Tem um lugar que a Veja ocupa, que você citou de passagem. Na minha opinião, ela é o veículo propagador do neoconservadorismo no Brasil. Fiquei pensando: com quem a Veja dialoga? A única resposta que eu achei foi George Bush.

A Abril não é uma editora ideológica. Quando você pega a Abril, a Folha, o Globo, eles cavalgam movimentos da opinião pública. Se a opinião pública quer um pouco mais à esquerda, eles vão, faz parte do conceito da grande mídia em relação ao ambiente de mercado. Depois das Diretas-Já tinha uma onda mais à esquerda, eles foram. Depois tem uma onda um pouco mais à direita. Tem um conjunto de fenômenos aí que ajuda a explicar essa questão de mais pra direita. Tem de um lado uma classe média que foi massacrada quinze anos; aí tem uma insegurança, porque financeiramente ela começa a cair. É uma classe média ameaçada. De repente você tem uma ascensão da classe D. Isso cria uma dupla a insegurança pra classe média, que é a insegurança financeira e insegurança de status. Daí o Lula é eleito. Você tem o deslumbramento inicial do pessoal que chega ao governo, o que vai acentuando a resistência da classe média.

Tudo isso dentro de um ambiente em que mundialmente há essa tendência à direitização. E a grande imprensa sempre refletiu esses movimentos lá de fora, sempre foi cópia malfeita desses movimentos. Então já havia uma tendência de ocupar esse espaço mais à direita. Os jornais fazem isso. Daí surge o escândalo do mensalão, eles têm a chance de refletir o que eles acham que era o sentimento de seus leitores contra o governo e derrubar o governo. Nada de conspiração, estamos falando de mercado. Então todos partem pra isso. Doeu meu coração ver a Folha a reboque da Veja, mas ela tinha lá a visão de mercado dela. O Estadão, com mais discrição, como sempre. O Globo, com exceção das intervenções de Ali Kamel, faz um jornalismo um pouco mais sólido. A IstoÉ é aquilo que a gente já conhece. Mas a Veja envereda por um caminho onde entra um profundo amadorismo desse pessoal. Quando eles começam a subir o tom, com aquela agressividade, colocar o presidente da República...

Mylton Severiano – Com um pé na bunda, na capa.

Com um pé na bunda. Permitem os artigos do Mainardi. Ele é inseguro, filho de um pai dominador, um rapazinho que de repente tem a sorte de ocupar um espaço. Daí ele começa a radicalizar e a Veja dá esse espaço. Chegou uma hora que ele queria chocar tanto, que eu digo: aonde vai parar isso aí? Com a continuação, daqui a pouco vai ter acusação de pedofilia e tudo. Mas isso é uma armadilha do cão. Porque quando se começa a fornecer a catarse, a cada edição o leitor quer mais, você não consegue acompanhar. A sua capacidade de produzir escândalo cresce aritmeticamente e a ansiedade do leitor geometricamente.

Vamos pegar dois casos. O campanha do Collor. Você começa um mês dizendo que ele era suspeito. Mais um ou dois meses, que ele tinha pessoas suspeitas no entorno dele. Mais um ou dois meses, que ele era ladrão. Chegou no máximo, mas a campanha continuava. E se ampliou: passam a dizer que ele ficava catatônico, que tinha que ser penetrado por trás, que usava supositório de cocaína. Foi criado um clima tão maluco que você não conseguia entender, e o leitor, que nem viciado em droga, acordava de manhã para ler qual era a última catarse, a última escatologia. Tanto que, pra mim, a Escola Base foi filha da campanha política. Chega o momento em que o leitor continuava querendo coisa e a campanha tinha acabado. Pô, então vamos dar aqui agora um novo prato: um japonês, uma escolinha e tinha suruba com criança...

José Arbex Jr. – Eu não acho que seja amadorismo, acho que é uma estratégia pensada. Primeiro, porque é muito coerente, através dos anos, pra ser simples amadorismo. A Veja tem sido sistematicamente coerente nos últimos quinze anos e começou muito antes do Lula.

Tem toda razão, vamos retificar. Eu estou falando da maneira como foi implementada nos últimos anos, aquelas matérias malucas, aquela agressividade. O clima interno da Veja começa a ser moldado nos anos 80. Isso eu coloco no primeiro ou no segundo capítulo dessa minha série, que é um clima que nós acompanhamos, né, Renato? No começo era um clima de pequenas e grandes maldades, o diretor tinha o direito de fuzilar qualquer um que não desse informação para a revista. Você podia receber esse material sobre o caso da mulher de um senador com outro senador da oposição, você publicava. Pegava o caso Elis Regina pra usar politicamente.

José Arbex Jr. – Você está falando do Mário Sérgio Conti?

Estou falando da era Guzzo–Elio Gaspari. Daí, quando chega nos anos 90, você tem a transição, com uma característica: todo mundo que entra na direção da revista era jornalisticamente inferior aos que saíam. É como se entrasse em um processo de deterioração. Os caras vinham com um padrão anterior, e iam realçando muito mais os defeitos e perdendo as qualidades. Você podia falar o que fosse nos anos 80, mas tinha matérias brilhantes, belas sacadas, formalmente era um show. O Guzzo, com aquela caneta dele lá, era... matérias irrepreensíveis. Um monte de furo, do ponto de vista ideológico, do ponto de vista de raciocínio, porque é negócio: “É pra dona de casa de Botucatu”. Para pessoa sem formação crítica “entender”. Mas, do ponto de vista formal, irrepreensível. O apuro com os detalhes, as lendas de que o Gaspari ligava às 3 da manhã para o repórter pra ver qual a marca do vinho que tinha sido bebido em certo jantar.

Marcos Zibordi – Quem são esses leitores da Veja? Porque o Brasil tem outros 179 milhões...

Aí que está. Vamos pegar a evolução do país dos anos 80 pra cá. Meados dos anos 80 surge um grande ator político chamado opinião pública midiática, ou seja, aquela opinião pública que segue o que a mídia escreve. Mas tem toda uma estrutura que explica isso. Tem os jornais, que definem o primeiro círculo de opinião, que depois extrapola para a televisão, para as rádios, para os jornais do interior. Isso aí ajudou a derrubar o Collor. Quase derrubou o Fernando Henrique, que também foi alvo. É que com o Lula eles exageraram, mas ele foi alvo disso também. Então houve esse poder sobre a opinião pública, que existiu nos anos 90 e garantiu o auge da imprensa. Mas eles não perceberam dois fenômenos fatais. Primeiro, o advento da chamada opinião pública D.

Marcos Zibordi – Que é?

É o cara da classe D e E, que não só entra no mercado de consumo, como entra no mercado de opinião. E, simultaneamente, as mudanças tecnológicas. Eles não perceberam. Pra mim, o momento mais emocionante de todo esse angu foi uma campanha eleitoral no meu blog – eu abro lá, tem uma mensagem em um português todo errado. Via-se que era um cara que tinha acabado de ser incluído digitalmente. Foi lá, não teve o menor preconceito, registrou a opinião dele. Eu falei: “Meu Deus, é outro Brasil!” E eles não se deram conta disso. Quando houve esse pacto informal em torno da frente anti-Lula, eles acharam que podiam fazer tudo, porque ninguém ia chamar a atenção.

Quando fui para os blogs, achava que ia levar um ano até consolidar, em três meses tinha consolidado. Porque todo esse pessoal, uma opinião pública sequiosa... aí que entra o grande erro da Folha, de ir a reboque da Veja, do ponto vista mercadológico – nada do que estou analisando é do ponto de vista ideológico, estou pensado a lógica que deveria estar na cabeça deles. A Folha era um jornal de centro-esquerda. Tinha uma parte de leitor tucano, uma parte petista, todos acostumados com as idiossincrasias da Folha. Ela fazia aqueles absurdos e as pessoas falavam: “A Folha é assim mesmo”. Pra mim, o veículo que mais perdeu nesse período todo foi a Folha. Jogou fora o público que foi pros blogs. Um público em grande parte petista, mas em grande parte também liberal ou pessoas de centro-esquerda ou que querem discernimento.

José Arbex Jr. – Você não tem um diálogo especial com nenhuma força política?

Nenhuma, a única coisa que eu preservo é independência. Em 1995 fui o cara que mais bateu naquela política econômica do Fernando Henrique. Quando começaram aqueles ataques, na mudança cambial, contra o Chico Lopes, eu defendi o Chico Lopes, defendi o pessoal da Escola Base, quando veio o dossiê Cayman na Folha o único que falava “isso é uma besteira, uma falsidade” fui eu. Quando o Lula foi alvo, em 1995, de uma campanha pesadíssima, apresentado como chefe de quadrilha, eu estava lá defendendo ele. Quando o Paulo de Tarso (Venceslau) foi alvo de uma campanha do PT contra ele, eu estava lá defendendo ele. Qualquer vinculação limita você escrever.

O meu grande receio, quando comecei essa guerra, era de acharem que eu estava numa frente de fulano, beltrano. Escrevi claramente: não tem nada a ver com fulano, não digo que é amigo, mas até me dou bem com ele, meu jornalismo não é o mesmo dele, ele está me apoiando porque quer, o que eu estou fazendo é uma batalha pelo jornalismo, não é uma batalha política. Fiz questão de enfatizar isso em todos os momentos, porque pra mim a morte do jornalismo é a vinculação. No momento em que você se vincula politicamente não faz mais jornalismo. E pra citar esse negócio da Veja especificamente: por que não entrei antes? Porque “estava entrando pra contentar o governo e atacar a Veja” – era fácil vender esse tipo de versão maliciosa.

José Arbex Jr. – A sua estratégia é o que? Essa briga com a Veja, mais cedo ou mais tarde, vai acabar. Pra você, o blog é uma coisa definitiva?

A gente tem um projeto de discussão de políticas públicas, estou criando várias comunidades de discussão. Até a PUC está convidada pra gente criar comunidade pra discutir jornalismo e mídia. É um projeto de três anos, o sistema está pronto agora, então vamos lançar. A idéia é integrar o blog com esse sistema. Você tem hoje um conhecimento difuso na sociedade que é muito mais rico do que você consegue captar pela imprensa tradicional ou pelos partidos políticos ou pela academia. É uma mudança do conceito de jornalismo. No jornalismo tradicional, vou até a fonte, faço uma entrevista com ela, ela me dá dez informações. Seleciono três, porque não cabem as dez, digo o que é relevante ou não, tiro do contexto, se eu quiser, e morreu o assunto.

Hoje o jogo é outro. Agora, por que alguns blogs vão morrer? Porque o cara não quer abrir mão daquela atitude onipotente do jornalista. Então o que você faz? Você joga a informação e vai pegando opinião do leitor. Aí o leitor fala: “Eu não concordo com isso aqui, não. Eu acho que essa visão aqui está errada”. Você dá destaque para o que o leitor está falando. Se ele tiver razão, você muda de opinião. É um exercício de democracia, de civilidade, muito interessante. Os maiores erros que ocorreram na imprensa foram em cima de fonte oficial. Se o cara falar uma batatada, e ele é fonte oficial, por que vou dar como certo se está errado? No blog você tem que ter experiência, bom senso e, quando não conhece direito o tema, coloca lá e pede pro pessoal opinar. Isso aí é uma reviravolta fantástica no mundo da imprensa.

Mylton Severiano – Você tem oitocentos blogs interligados ao seu?

É muita coisa.

José Arbex Jr. – E 250.000 visitas por mês.

Mas sabe a parte mais engraçada da história? A Internet é uma coisa danada. Se você soubesse o exército que está atrás de mim... Perguntam: “Pra entrar numa guerra dessa você está amparado?” Estou amparado por jornalismo, informações dos leitores, os leitores queriam fazer vaquinha pra me ajudar... Eu tive que dizer pra eles: gente, pára com isso. É comovente. A gente criou um grupo que dá gosto, toda espécie de público, mas a arma que tenho é o jornalismo. Isso que é o negócio. Você pega toda a tecnologia, mas tem algo insubstituível, que é fazer jornalismo.

Sérgio de Souza – Você é da tese de que o jornalismo é uma missão?

É uma missão e tem eficácia. Você pega esse rapaz, ele está, num portal como o da Veja, muito visitado, há oito meses me difamando. O que aconteceu comigo? Nada. De vez em quando entra um leitor dele pra encher o saco, ou entra ele mesmo disfarçado, também pra encher o saco. Então, essa minha série aí, nem o Observatório da Imprensa entrou nela. Comunique-se fez um comunicado lá, tudo bem, mas o que estou dizendo é que não foi só a grande imprensa que não entrou. Hoje a série criou uma massa crítica por conta da Internet? Não, a Internet está disponível pra todo mundo. É porque teve jornalismo. Se eu politizasse a discussão, tentasse transformar em guerra santa, ia satisfazer a catarse de meia dúzia aí, mas não é isso que eu quero.

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